sábado, 26 de março de 2011

Fragmento





Fragmento. Saiu com a urgência de um novo amante! Conhece? É bastante perceptível. É quando fatalmente se descuidam dos detalhes importantes e se atrapalham. E então, se denunciam. Em amadores flagrantes hilários, que geram desculpas absurdas, desconcertantes ou cômicas. Normalmente cômicas. É muito interessante conhecer.
Com uma visível urgência intolerante, e escudado por uma paciência miserável, não gastou tempo com despedidas reverenciadas que lhe retardassem a rua. Digo apenas que ansiava pela rua e economizou palavras. E ao economizar palavras deixou atrás de si um silencio delator. Apenas um detalhe. Quando fechou a porta imediatamente viu-se cara a cara no espelho do elevador. Ansiedade e vaidade. Térreo olhar. Ele já vinha em manobras de retirada. Vinha perdendo o compasso entre o indisfarçado caminho novo, e o que pretendia manter. Aquele desespero fantasiado de cansaço, segredos travestidos. Alguma culpa talvez.
Tropeçando no fio da civilidade, se esquecendo, por exemplo, de desejar “bom dia”. Perdendo ostensivamente tratos que compõem o cardápio delicado da convivência. Imprescindíveis gestos. Diálogos do olhar. Já percebeu que quando a sintonia vibra falamos juntos e que quando falamos juntos nasce uma sensação boa? É quase uma brincadeira! Perdera-se. Imaginava que seus movimentos passassem despercebidos, ou que poderia indefinidamente blefar com suas cartas marcadas, e que jamais seria desmascarado. Porque os novos amantes se julgam revestidos por certa indestrutibilidade. Invencibilidade. Vivia todo atrapalhado em sua agenda de amanhãs. Semeando aqui e ali seus elos mercenários, descartando-os no primeiro sinal, na primeira foto, que pudessem estampar e colocar em risco o seu manejo. O seu estilo.
Sabia caminhar com natural desenvoltura em novos mercados e estava conseguindo plantar impressões delicadas com sua fragilidade artificial. O problema é que o seu produto teve, tem e sempre terá: prazo de validade. Na verdade atuava bem, se você concordar que existem seres que são mestres no ofício da ilusão, e se você concordar que sempre haverá seres ávidos de ilusão. Oferta x demanda. É inegável que sempre soube onde aplicar seus recursos ilusórios, identificando com precisão nichos e possibilidades de retorno. 
Conto a história com voz magoada.
Reflexão...
É muito pessoal todo esse foco. Mas é questão apenas de linguagem; se você concordar que toda história foi contada por uma voz que tinha uma leitura daquela história. E a leitura é sempre pessoal. Posso contar a história diferente. Com outra voz. E com outra voz criar uma nova história. Apenas um detalhe do foco.

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