Uma voz sussurra entre as folhas caídas no jardim. Tem por ouvintes uma lagarta em gestação, formigas apressadas, um pingo de chuva, um pedaço de papel, a tampa de uma caneta, e um palito de sorvete. Natureza com descasos de gente. A voz pede escuta. E o primeiro a estacar é o pingo de chuva, que curioso, desliza no graveto da folhagem e se diz presente. A voz então se aproxima e diz: “Penetra na terra, retorna ao céu, escolhe aquele broto ali, e vai...” Assustadas com o falatório, algumas formigas se distraem da labuta, desconstruindo a fila. A voz alerta: “A casa está em risco no lado esquerdo da raiz... Por conta de pés que cortam caminhos. Construam um atalho.” A lagarta que pendia num tronco, ensimesmada se atenta aflita ao noticiário. E a voz apenas a conforta: “Te acalma moça, aguarda as asas, teu colorido voará em breve.”
O palito de sorvete nesse instante se revira na terra e chega perto. A voz lamenta que esteja ali, estranho ao ambiente. Ainda que seja de madeira, vai cobrar tempo do canteiro. E ele, envergonhado, se sente um estrangeiro. A tampa de caneta já intui que a voz será feroz, e tenta inutilmente camuflar-se atrás de um galho de flor. Mimetismo no mínimo infeliz. A voz lhe diz: “Que horror! Quem a deixou aqui na eternidade de quatrocentos anos? Quantas gerações de flores verão sua presença?” E a tampa da caneta chora inconformada com tanta indiferença. O pedaço de papel, até então calado, se defende um pouco atrapalhado dizendo que no inverno, já desintegrado, não deixará seu rastro. A voz sorri e diz: “Mas que maltrato! Que defesa estranha, que papel trocado! Poderia ter sido um panfletário! Que alertasse o risco planetário! É tão urgente!” A voz caminha agora para as casas. Das gentes. (Histórias para Julio)
(Suzana)
Encanto-me com suas histórias, com seus escritos e recados.
ResponderExcluirBeijos na alma.